A vida é tão rara...

O Sol da última sexta-feira (8) amanheceu mais triste e com a difícil e injusta missão de fazer nascer o dia em que amigos e parentes iriam ao cemitério Bosque da Paz se despedir do inesquecível e incomparável professor Rafael Mendes, um anjo que esteve entre nós por pouco mais de 30 anos e foi vítima de um aneurisma que resultou em um infarto fulminante.

Rafael foi meu professor em 2007 no extinto colégio PhD, onde eu cursava o 1º ano do ensino médio. A disciplina, Redação, de maneira geral é muito complexa porque faz necessária a dissertação a respeito de temas que muitas vezes não interessam ao estudante. O que era curioso em tudo isso é que independente de gostar da matéria ou não, todos os alunos faziam questão de assistir as aulas de Rafael. Em sala de aula ele atuava como um verdadeiro maestro, utilizando sua técnica, oriunda de sua formação acadêmica, inteligência e experiência, para nos conduzir de maneira espontânea a seguir suas linhas de raciocínio e no final encontrar a harmonia necessária para o triunfo.

Com o fechamento do colégio PhD, boa parte da turma se matriculou no colégio Integral em 2008 para cursar o 2º ano do ensino médio. No formulário que nós tínhamos que preencher para realizar a matrícula, havia uma pergunta sobre qual foi o melhor professor do ano anterior. Eu e todos os meus colegas apontaram Rafael e um pouco mais tarde sugerimos à direção da escola que o contratasse para nos dar aulas de atualidades, filmes e livros para vestibular. Depois de algumas negociações tudo acabou dando certo.

As aulas no colégio Integral eram dadas à tarde e não contavam com avaliações, mas a sala estava sempre lotada! Nós, os novatos, falávamos muito dele antes da confirmação de sua disciplina em nossa grade. Quando ele passou a dar aulas lá nós sentíamos até certo orgulho de ver que todos os alunos que já eram da escola e não o conheciam já tinham se tornado fãs dele.

Um dos pontos que faziam as aulas de Rafael serem sempre especiais era a forma descontraída que ele utilizava para fazer com que a gente se identificasse com determinados conteúdos. Nessa busca, ele conseguia nos fazer refletir sobre nós mesmos, sobre o próximo, sobre o mundo a nossa volta e sobre tudo aquilo que acontece no universo e que nos influencia sem que a gente perceba. Acho que o interessante era justamente isso, ele fazia com que a gente conseguisse estudar a si mesmo antes de estudar os outros conteúdos.

Era interessante também a forma com a qual ele lidava com a gente. A adolescência é uma fase instável e é quando todos os conflitos pessoais vindos do fim da infância e início da vida adulta fazem o jovem criar, entre outras coisas, um ar de superioridade diante de tudo e todos em busca da sonhada independência. A escola é um local onde isso pode ser facilmente identificado. No entanto, em um mundo onde vemos muitos casos de alunos e professores em pé de guerra, Rafael sabia a maneira exata de fazer com que Literatura, Redação, Gramática etc. fossem disciplinas atraentes e com um real sentido em nossas vidas.

A última vez que o vi foi há menos de um ano, quando eu estava no campus de Ondina da UFBA (Universidade Federal da Bahia), num sábado pela manhã. Ao sair do Instituto de Letras eu pude vê-lo sentado na varanda da Facom (Faculdade de Comunicação) com o olhar enérgico, que lhe era peculiar, e ao mesmo tempo distante. Ele parecia estar ali esperando alguma coisa ou só passando o tempo. Ontem (9) eu passei por lá novamente depois de uma prova. Impossível não lembrar aquela cena e sentir o mesmo nó na garganta que sinto enquanto escrevo este texto. Ainda é muito difícil acreditar no que aconteceu...

Tudo isso me faz pensar no quanto que nós, seres vivos, somos frágeis e no quanto que a vida é rara e ao mesmo tempo injusta. Rara porque nós acreditamos que a morte é algo distante, algo que temos a convicção de que vai acontecer, mas só daqui a muitas décadas, quando na verdade corremos o risco de ter a vida interrompida a qualquer momento. E injusta porque ele era um cara jovem, saudável, com uma vida inteira pela frente e com certeza amado pela família, amigos, alunos, colegas e por todos aqueles outros que tiveram a sorte de conhecê-lo.

O susto maior não foi nem pelo fato de ter visto ele há pouco tempo, por ele ser tão jovem ou por eu ter sido seu aluno nestes dois anos de colégio, mas sim porque pessoas especiais e inigualáveis como ele parecem ser imortais. Fico feliz em saber que Rafael Mendes fez parte da minha vida e da vida de milhares de outros estudantes, plantando em cada um de nós lições de tolerância, respeito ao próximo, compaixão, amor e paz.

Descanse em paz, eterno mestre!

Comentários

  1. Sabe, se me lembro bem de como era Rafael, ele teria uma opinião bem forte, para não dizer mal criada ou até mesmo agressiva, do monte de gente que posta ao facebook dizendo que sente falta dele, oferecendo pêsames, evocando o nome de deus e dizendo que não acredita no que aconteceu. Esse tratamento chega até a ser um paradoxo.

    Mas o que escreveu, Artur, acho que mostra realmente como você se sentia em relação ao professor, não são palavras vazias ou um falso sentimento de perda, mas algo sincero.

    Hoje em dia, sonho em ser escritor profissional (do tipo que faz arte, não do tipo que escreve pra vender) e sei que eu não teria essa aspiração se não fosse por algumas conversas que tive com Rafael durante o segundo e terceiro ano. De qualquer forma, acho que o pessoal do PHD tem realmente uma ligação mais forte com Rafael, inclusive, fui um dos que apontou ele como melhor professor na ficha do integral.

    É, acho que é isso. Otimo post e homenagem Artur. Da para ver que realmente foi escrito do coração.

    E que onde quer que ele esteja, Rafael encontre o que procurava.

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  2. Desculpe mas não concordo com seu comentário Renan.Não afirme com tanta certeza as reações que ele teria,já que da mesma maneira que as vezes se mostrava agressivo,outras se mostrava extremamente humano.Talvez teria ficado muito feliz em saber que tem muita gente que se importa com ele,que gosta dele e o aprecia de uma forma especial,não só como professor mas como pessoa.Lembro até hoje quando ele veio nos dar a informação de que o PHD ia fechar,em prantos.Ele realmente gostava daquele lugar,dos alunos pra quem lecionava,das pessoas da instituição.Será que ele não ficaria feliz em saber que praticamente todos essas pessoas estão fazendo questão de alguma forma mostrar seus sentimentos?mostrar que se importam?

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  3. Obrigado, Ryuuzaki!

    AnnaxP, também lembro deste dia. Todos estavam muito tristes com o fechamento do colégio.

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  4. Função emotiva na veia. Parabéns pelo texto, Artur!

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