A verdade de quem é invisível
Acabei de assistir à segunda edição do Coral de Rua, programa que faz parte da grade de fim de ano da TV Record. O programa é dirigido e apresentado por Marco Camargo, produtor musical, compositor e um dos jurados do reality musical Ídolos. A ideia do Coral de Rua é reunir moradores de rua da cidade de São Paulo para que eles possam formar um grande coral, que se apresenta em um teatro diante de seus familiares e dos funcionários da Rede Record.
Não assisti a primeira edição, exibida no ano passado, mas hoje,
procurando algo de interessante na TV, acabei me deparando com o programa e
resolvi conferir. Em poucos minutos minha atenção ficou totalmente voltada para
a televisão e eu acompanhei o programa todo. Não mudei de canal nem na hora do
intervalo.
O que chamou tanto a minha atenção foi a seleção dos cantores. Marco
Camargo ia abordando os moradores de rua que ia encontrando pela cidade de São
Paulo e a conversa acontecia como quem não queria nada. Era um bate papo que ia
se desenrolando até que surgisse o momento oportuno de fazer o convite para
participar do programa. O interessante em tudo isso é que todo o receio que aquelas
pessoas sentiam ao ver a câmera da emissora acabava depois de poucas perguntas
feitas pelo Marco.
Não preciso nem dizer que a apresentação no teatro foi emocionante. Mas
depois de assistir o Coral de Rua lembrei um documentário que produzi no
segundo semestre da faculdade com mais quatro colegas sobre a realidade de quem
vive na periferia de Salvador. Para fazer as gravações nós percorremos uma
região da cidade conhecida como Calafate, que fica próximo ao bairro do IAPI.
Nós conversamos com um líder comunitário, que foi quem nos acompanhou durante
todo o percurso, com um senhor que já viva lá há muitos anos, com alguns jovens
e com o traficante da região.
Entrar no Calafate foi o primeiro desafio por ser um lugar totalmente
diferente da realidade em que eu vivo. Só via lugares como aquele nos
cinemas... Mas o maior desafio de todos foi entrevistar o traficante. Nós
chegamos lá com medo, olhando para todos os lados e medindo cada gesto que a
gente fazia e cada palavra que a gente dizia. A tensão era tão grande que ele
percebeu o nosso receio e falou: "Não precisa ter medo porque ninguém aqui
é bicho!". Antes de gravar nós conversamos bastante e conseguimos ganhar a
confiança dele, que estava com duas armas na cintura. O nosso medo já não era
tão grande e o papo já fluía com mais naturalidade.
É lógico que quando ouço falar de um traficante me sinto completamente
diferente dele, mas naquele momento da entrevista eu conseguia me sentir igual.
Igual porque conseguia conversar com ele numa boa, olhar nos olhos, entender a
vida que ele leva e os motivos que o levaram a viver desta forma.
Ele me contou que era ex-presidiário e que logo após cumprir a pena foi
atrás de emprego. Nas entrevistas as pessoas até gostavam dele, mas quando viam
que se tratava de alguém que já havia sido preso qualquer possibilidade de
contratação acabava. E foi justamente o fato de ver tantas portas se fecharem
que fez com que ele se tornasse um traficante, segundo conta.
É muito difícil ter um contato tão direto com essas pessoas e não
conseguir ver perspectiva nenhuma de futuro para elas. É triste ver seu semelhante
vivendo com tanta dificuldade, sem ter sequer a chance de sonhar com uma
realidade diferente. E é a partir de exemplos como o do traficante e dos
moradores de rua do Coral de Rua que eu entendo que definitivamente não há
clichê em dizer que vivemos em mundo cruel... Igualdade social é algo que nunca existiu e
nunca vai existir.
Segue o documentário que eu citei no texto:
Comentários
Postar um comentário